Do Círculo de Doutorandos Informais de Belo Horizonte, Alex Bretas nos traz uma experiência educacional cooperativa que estimula, dentre outras questões, o reconhecimento da humanidade que nos é comum.

Você já se apresentou alguma vez sem mencionar o seu trabalho? O que vem à mente quando é preciso falar de si sem dizer o elemento de que mais falamos depois dos nossos nomes?

O Círculo de Doutorandos Informais de Belo Horizonte começou assim. Na verdade, iniciamos antes: a brincadeira do “Quanto Tempo!” animou a sala e aqueceu os corações dos participantes antes do desafio da apresentação-sem-trabalho.

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Essa brincadeira foi o querido Cláudio Thebas que me ensinou — não foi ensino de fato, eu o vi fazendo e comecei a experimentar. Você vai precisar de uma música animada (eu utilizei uma de circo que achei no Youtube) e de um grupo de pessoas.

Comecei convidando a todos para encenar um momento mais ou menos assim: imagine que você está na área de desembarque do aeroporto de sua cidade esperando ansiosamente um grande amigo chegar de longe. Faz muito, muito tempo que vocês não se veem e a saudade aperta. Na hora que ele chega, vocês se abraçam calorosamente e manifestam o quão felizes estão por se encontrarem novamente. Esta é a cena. Toda vez que alguém do grupo dizia “Quanto tempo!”, esse micro momento era encenado por duplas de pessoas próximas.

Coloquei a música para tocar e pedi às pessoas para caminharem trocando olhares pela sala. Após alguns segundos, dei a largada: “Quanto tempo!”. Cada pessoa encontrava seu amigo distante, agora tão próximo, e o cumprimentava com um abraço apertado. E assim prosseguimos por mais algumas vezes, celebrando a presença de todos. Gosto bastante dessa cena para acolher grupos porque acho a metáfora bastante poderosa: estamos reduzindo a distância entre nós, estamos nos reconhecendo ao enxergar a possibilidade de abraçar um desconhecido por conta da humanidade que nos é comum.

Em seguida a essa brincadeira, sentamos em círculo para contar quem éramos que não o trabalho. Ouvimos desde “estou tentando correr 10 km!” e “gosto de animais, porque não pode falar de trabalho, né?” até “sou um espírito inquieto num corpo preguiçoso” e “não estou só buscando luz, eu quero ser luz”. Foi interessante notar como as pessoas ficam “desarmadas” quando o trabalho sai de cena. Por um lado, esconder momentaneamente nossos fazeres profissionais abre espaço para nos conectarmos com outros aspectos da vida de cada um; por outro, pode dificultar manifestações de pessoas que se identificam muito com o propósito de seus trabalhos, e nesses casos, a separação entre o que faço e o que sou não é trivial.

Assim como no CDI de São Paulo, a primeira etapa do encontro em BH foi convidar os participantes para trabalharem a sua biografia com uma lente diferente, pautada pela reflexão sobre suas aprendizagens. Iniciamos a “biografia do meu aprender” com um grupo de aproximadamente 30 pessoas, e ver a sala cheia prestes a transbordar com os tesouros biográficos de cada um foi emocionante.

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Após resgatarem individualmente suas histórias de vida relacionadas à aprendizagem, era a hora de se ver a partir do outro. Os compartilhamentos biográficos ocorreram em trios, de modo que cada um pôde exercitar diferentes papéis: o de contador de histórias; o de escutador que olha nos olhos; e o de colheitador, aquele que “ouve pela mão” ao colocar no papel a essência das histórias que eram compartilhadas. Percebi que os trios funcionam como times, e o objetivo é suportar e criar um solo fértil para as sementes de lembrança que são plantadas.

Ao retornarmos para o nosso círculo, as sementes, já brotadas, começaram a se desenvolver e a dar frutos. “Como me senti experimentando os diferentes papéis?”; “O que foi mais marcante ou desafiador pra mim?”; “Quais os aprendizados que levo comigo desta experiência?”. Essas foram algumas perguntas que animaram nossas conversas de colheita. Algumas percepções ressoaram por todo o grupo:

  • a humanidade que nos une, por mais que sejamos diferentes;
  • o fato de se ter percebido o melhor de cada um, numa lente apreciativa e com suspensão de julgamentos;
  • a riqueza do exercício de ouvir atentamente, sem interrupções; e
  • o reconhecimento dos aprendizados informais, isto é, aqueles que não acontecem por causa da escola, da universidade ou de qualquer outra instituição.

Ao encerrar a conversa sobre o biográfico, pedi licença para também compartilhar com o círculo a minha história desde que comecei a empreender a Educação Fora da Caixa, o meu doutorado informal. Me senti inspirado pelos feedbacks, nos quais o que mais se ouvia era “coragem”. E era justamente disso que se tratava o segundo dia do CDI.

Belo Horizonte foi palco de uma chuva ensurdecedora momentos antes de iniciarmos a segunda noite do nosso Círculo. Não pudemos contar com todos os participantes do dia anterior, seja pela chuva — e o trânsito que ela acarretou — , e talvez pela nossa própria escolha de dividir o encontro em dois momentos. Neste sentido, o fluxo de um encontro de dia inteiro, como ocorreu em São Paulo, pode ser um formato mais interessante.

Iniciamos com uma “dança das cadeiras cooperativa”, um jogo que funciona de forma muito semelhante à dança das cadeiras tradicional, mas com uma pequena diferença: todos precisam ganhar juntos. Você pode ver uma descrição sobre como aplicar o jogo aqui. Ao terminarem de jogar, convidei os participantes a se sentarem no nosso círculo para conversarmos sobre a experiência.

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“Vocês acham que o que vocês viveram tem alguma coisa a ver com nosso sistema educacional?”. Ao fazermos essa pergunta, criamos um campo que estimulou diversos pontos de vista a respeito do paradigma competitivo que vigora nas instituições de ensino. Falamos especialmente da universidade. Como queríamos ainda propor outras atividades para o grupo e as interações estavam a borbulhar, tive um pouco de dificuldade para encaminhar a conversa e partir para a próxima etapa. Por fim, disse a eles algo como:

Se neste momento não podemos transformar as crenças de todas as instituições, que tal vivenciarmos o tempo que nos resta neste grupo como uma experiência profundamente ancorada na cooperação?

Foi com este tom que começamos a explicar o Pro Action Café, uma metodologia de conversas voltada para a ação que possibilita o desenvolvimento de projetos reais dos participantes sustentados pela inteligência coletiva do grupo. No blog da Kailo você pode acessar um ótimo texto sobre o Pro Action da Paula Manzotti, que cofacilitou os CDIs de São Paulo e BH comigo.

Em São Paulo, havíamos orientado os participantes a pensar em projetos de doutorado informal, ao passo que, em Minas, optamos por utilizar a palavra “ideias”. Acreditamos que isso provavelmente tenha influenciado as reflexões dos participantes, e talvez o foco em projetos seja mais assertivo no âmbito do CDI.

Definidas as ideias que seriam trabalhadas pelo grupo, fizemos três rodadas de conversação a partir das seguintes perguntas: “O que está por trás desta ideia?” ou “Por quê?”; “Quais outras possibilidades poderiam enriquecer esta ideia?” ou “E se?”; e “Qual seria o próximo passo imediato?” ou “E agora?”. Tal como nos compartilhamentos biográficos, no Pro Action havia três papéis distintos: o doutorando, que propunha a ideia; o mentor, que apoiava o doutorando e o ajudava a pensar; e os parceiros, que iam se movendo de uma mesa a outra em cada rodada e ofereciam suas contribuições para diferentes ideias.

Ao término da terceira rodada, retornarmos novamente ao círculo para refletirmos sobre o processo. Consegui identificar quatro núcleos que me marcaram bastante ao escutar como foi a experiência para os participantes:

  • a corresponsabilidade de todos pelas ideias, que ganhavam novos donos a cada rodada;
  • o acolhimento aos doutorandos, os quais se sentiram cuidados durante todo o processo;
  • a abundância de caminhos e possibilidades, não apenas no sentido das ideias, como também das perguntas, que feitas de uma outra forma levaram a respostas incrivelmente novas; e
  • a existência de dois padrões comuns a todas as ideias, quais sejam, o olhar para as pessoas e a vontade de resolver um problema social real, vivenciado pelos participantes.

Após compartilharmos nossas impressões e aprendizados no círculo, propus uma última ação antes de encerrarmos o encontro. O jogo Tocô-Colô é uma atividade que, literalmente, cria pontes entre as pessoas. Para ver um vídeo e uma breve descrição a respeito, veja este link do site do Projeto Cooperação. Adaptei o jogo para o contexto do CDI, utilizando as seguintes orientações:

  • Sua mão direita encosta numa pessoa pela qual você é grato hoje;
  • Sua mão esquerda vai em alguém que você sente que poderia ajudar;
  • Seu pé direito se aproxima de alguém que você acredita que poderia te apoiar no seu processo;
  • E seu pé esquerdo… bom, neste momento já estávamos todos muito embolados e, então, não foi possível darmos mais nenhum passo.

Infelizmente não conseguimos fazer uma avaliação do encontro da forma como gostaríamos. Não houve tempo suficiente, e acredito que isso realmente fez falta.

Encerramos o CDI em Belo Horizonte respirando humanidade. Parece que, afinal, não falar tanto de trabalho — pelo menos da forma como estamos acostumados — fez diferença. Pudemos compartilhar mais nossas curiosidades, inquietações e propósitos.


 

O CDI em BH recebeu duas ajudas essenciais: da Lhama.me, através da querida Raquel Camargo e do Marden, e também da Kailo, por meio da Paula Manzotti. Agradeço ainda ao The Plant Coworking, que nos recebeu super bem. Valeu, gente!

Para ver uma galeria de fotos do encontro, acesse o Facebook da Lhama.me.

Este texto foi publicado originalmente em Educação Fora da Caixa