Lucía visitou a pré-escola Victoria Nature, onde as pedagogias alternativas são fonte para concentrar-se em uma proposta educativa que tem o entorno natural.

Síndrome de Déficit de Natureza

Em 2005, Richard Louv levantou a hipótese da síndrome de déficit de natureza, um mal que afeta a milhares de crianças em uma sociedade que apresenta muitas oportunidades de entretenimento diante de uma tela, um teto. Em populações urbanizadas, estádios desportivos com gramado contam como “natureza”, e as crianças raramente têm a oportunidade de brincar e explorar na floresta, na praia ou em outro espaço que não tenha sido transformado pelo homem.

Reconhecendo este problema e sabendo quão benéfico é o contato com a natureza para a criança, Bonnie Davison criou a pré-escola Victoria Nature School, um programa que opera quase exclusivamente em Mt Douglas Nature Park. Este diverso parque em Victoria, a capital da província canadense de British Columbia, conta com mais de 181.000 hectares e caminhos, um monte com uma elevação de 213 metros, florestas de árvores coníferas e espécies indígenas da província, e uma praia típica da costa oeste do país.

Após vários intercâmbios com Bonnie, viajei a Victoria em um sábado em fevereiro de 2014, para participar de uma conversa informativa dedicada a futuras famílias interessadas em inscrever seus filhos no programa. Como é comum nestas terras nesta época do ano, o dia estava chuvoso e ao me aproximar do parque de brincadeiras infantis que era o ponto de encontro, me alegrei ao ver que uma lona cobria um grupo de aproximadamente 20 pessoas, crianças e adultos, conversando animadamente.

“É bom ver tanta gente a quem não lhe afeta a chuva” brincou Anna St Denis, uma das duas professoras de educação inicial que trabalha no programa. “Nós estamos aqui em dia de Sol ou chuvoso, e muitas vezes as crianças nos ajudam a garantir a lona e criar um bom refúgio onde brincar.”

Bonnie nos explica que a chave é estar preparado: cada criança tem roupa e botas impermeáveis além de casacos, e cada um leva sua mochila, onde tem uma muda de roupa caso se molhe, comida e água para quando sintam a necessidade de se nutrir.

Brincando às margens do lago.

Brincando às margens do lago.

Entorno Natural

“Embora possam se servir quando queiram, en geral o grupo prefere comer ao mesmo tempo aqui ao pé do “Irmão Cedro”. Comer é um ato social e um momento para conectar-se um com o outro.” O “Irmão Cedro” oferece um teto aromático e frondoso sobre quatro troncos que formam um círculo ao redor da base da árvore, onde as crianças construíam um forte com ramos que escolheram do entorno.

“Estar em um ambiente natural onde tudo o que se necessita está ao alcance das mãos, permite à criança uma incrível oportunidade de criar e recriar com os mesmos materiais o que queira a sua imaginação. Ao apresentarem-se situações reais (que nasceram da experiência das crianças), apresentam-se oportunidades de colaboração, resolução e experimentação que são mais valiosas que as criadas em um ambiente artificial.”

Anna nos explica como a base de uma árvore centenária que é horizontal serviu como hotel, uma piscina de areia movediça depois de um dia particularmente chuvoso, um hospital, e recentemente como base de una teia de aranha, que o grupo construiu com fios.

Irmão Cedro

“Irmão Cedro”

Crescer na natureza

Nos movemos dentro de uma zona marcada por limites “imaginários” mas que as crianças conhecem muito bem. Aprenderam como ligar para um adulto em caso de emergência, os perigos da zona circundante e experimentaram com seus corpos os limites físicos do entorno. “A primeira vez que você sobe uma árvore e não consegue descer, pede ajuda e aprende que se seu corpo não consegue descer sozinho, não está preparado para esta altura. Cada indivíduo tem a oportunidade em um ambiente bem aberto de testar qual é seu próprio limite, sabendo que sempre há um adulto por perto para ajudar. Isto promove confiança em si mesmo e no mundo, um sentido de aventura e conexão com o ambiente em que se vive”.

Caminhamos entre tocos de árvores, ocos na base de coníferas que viveram nesta terra por séculos, raízes que se entrelaçam e samambaias gigantes, que se enchem de vida quando Bonnie e Anna nos contam anedotas das milhares de histórias que as crianças viveram nesta parte da floresta. Os menores no grupo tocam, cheiram e sobem onde querem, testemunhas viventes do magnetismo entre a natureza e o homem.

“Estamos trabalhando para criar uma aliança com a Sociedade de Mt Douglas Park, para aprender com eles sobre esta terra e que a cidade reconheça a importância de criar uma conexão entre a nova geração e o nosso planeta. É difícil cuidar de algo que não conhecemos ou não nos interesa: Como podemos esperar que nossas crianças respeitem a Terra se para eles é algo que existe em National Geographic?”

Os Pequenos

“Os menores no grupo tocam, cheiram e sobem por onde querem”

A natureza desperta a calma

Neste momento, Katie se une à conversa. Sua filha foi ao programa desde o início e Katie está orgulhosa do forte e resistente que ficou ao estar na natureza sem importar o clima. “Há um ano, ninguém em minha família tinha roupa resistente à água. Agora, sair debaixo da chuva, andar de bicicleta ou explorar os múltiplos parques é a atividade preferida do meu marido e eu. Tínhamos esquecido quão divertido é estar por aí!” Katie está emocionada já que seu filho de dois anos, que tem Síndrome de Down, vai se unir ao programa neste ano. Bonnie explica “Para todas as crianças é benéfico estar em um ambiente natural, já que o contato com a natureza desperta calma e paz ao ser humano. Para crianças com necessidades especiais, eliminam-se muitas barreiras: quem não sabe o que fazer na natureza? É instintivo!“

Juntos

“Tínhamos esquecido quão divertido é estar por aí!”

Uma comunidade educativa conectada

Neste ano, muitíssimas famílias mostraram interesse em inscrever seus filhos no programa. Funcionam de segunda a sexta-feira, com opção de dia completo (de 9:00 a 15:00 horas) ou meio día (de 9:00 a 11:30 para crianças de dois a cinco anos). De manhã, ficam em algum setor do parque (a floresta, o monte ou a praia, dependendo do interesse das crianças e as estações) e o grupo é livre para explorar e brincar com mínima intervenção adulta. Inspiradas por conceitos das pedagogias Forest Schools (escolas da floresta), Reggio Emilia e Waldorf, as professoras atuam como constante e suporte, facilitando as ideias e interações das crianças. Isto promove uma educação motivada intrinsecamente, na qual o pensamento e relações devem ser flexíveis, cada um é responsável por seus atos e seu entorno, e se adquirem conhecimentos práticos.

À tarde, o grupo toma o transporte público ao centro de recreação Gordon Head, onde os menores descansam e depois brincam com materiais naturais, tipo Waldorf e Montessori.
Antes de se despedirem dos pais, Bonnie os recorda que parte de pertencer ao programa é criar um sentido de comunidade: muitos adultos se oferecem a compartilhar recursos e tempo para enriquecer a red social a qual todos participam e assim melhorar a qualidade da educação de seus filhos.

“Por favor, mantenha-se en contato” me diz Bonnie. ”Como escola, nos interessa criar conexões com outros centros educativos e compartilhar recursos e inspirações uns com os outros.”

De minha parte, levo imagens de uma comunidade que vê a direção na qual a educação está indo e se compromete a dar aos mais jovens a oportunidade de se desenvolverem no ambiente mais fundamental e básico para o ser humano: o espaço natural de tierra donde está.